"C/2007 E2 (Lovejoy)". Assim se chamava o alvo de todas as minhas intenções na passada noite de sexta-feira. "Lovejoy", o nome do "observatório"/observador que o descobriu, veio de um australiano, que munido de uma simples máquina fotográfica digital com uma objectiva 70-200mm o "viu" antes de toda a gente.
"E2", faz parte da nomenclatura de identificação dos cometas, e basicamente diz-nos que foi o 2º cometa descoberto no 5º "meio-mês" correspondente à letra 5º letra do alfabeto, "E", ou seja, entre 1 e 15 de Março.
"2007" é relativamente óbvio o que quer dizer..
Contudo, o "C" é o que mais me consterna.. Estaria lá um "P" (
periodic) caso fosse um cometa periódico, com período de menos de 200 anos.. Mas, sendo este um "C" (
Comet), obriga-me a uma despedida mais sentida.
(Para os interessados na forma oficial da designação de cometas, podem consulta-la aqui:
http://cfa-www.harvard.edu/iau/lists/CometResolution.html )
No passado... Vai já para mais de dois meses que encarei o desafio de fotografar um cometa com meios pouco exigentes, não menos modestos que uma montagem equatorial com motor no eixo de AR, um telescópio principal, e um telescópio guia.
Tentativas anteriores, fotografando-os como um normal objecto do céu profundo, mostraram-me cometas disformes e arrastados em fundo de estrelas bonitas e redondinhas. Os cometas ficam assim, pois eles mexem-se mais de pressa que as estrelas, e estando o telescópio seguindo à velocidade celeste, a olhá-las quietas, não acompanha o cometa.
Mais tarde, nova tentativa fiz eu de segui-los guiando manualmente.. Mas isso requer um cometa bem brilhante. Ainda para mais ele tem que ser visível no telescópio guia, que por norma é mais modesto que o telescópio para a fotografia. Consegui umas exposições demasiado curtas que não mostravam grande coisa..
Mas desta vez, a coisa ia ser diferente.
O alvo e a técnicaConhecido o alvo e seu percurso, meio caminho estava feito. "C/2007 E2" entranhou-se-me na cabeça no fim de Março. Este nome é especial para mim pois trata-se do cometa mais veloz que a minha jovem curiosidade por estes objectos conhece. Lembro que este tipo chegou a voar 3 graus por dia (em relação ao céu atrás dele) quando passou mais perto de nós no fim de Abril..
Para aumentar o desafio, este não é um cometa muito brilhante, e nunca meti na cabeça que o iria conseguir ver através do meu telescópio guia de 60mm F/11.
Desta vez a coisa ia ser diferente, pois eu não ia guiar a exposição no cometa. Ia guiar manualmente, sim, mas numa estrela!
- Como faria eu isso?
Bom, se o cometa anda de Este para Oeste no céu, e eu fotografar fixo no céu, ele andará de Este para Oeste na fotografia! Se, em contrapartida, eu conseguir fixar o cometa na fotografia, as estrelas andarão de Oeste para Este, bem como uma estrela guia no retículo!
A ideia é simples, e contraria todas as regras de guiagem em céu profundo, em que se quer uma estrela guia sempre no mesmo sítio do retículo!
Sem entrar nos muitos detalhes que me ocuparam dois meses de preparação com uma folha de cálculo (em Excell), só teria que orientar o retículo com o movimento do cometa (ou das estrelas) e guiar a estrela guia ao longo do retículo, obrigando-a a fazer o percurso inverso do cometa às ordens de um cronómetro de telemóvel.
RelatoMas vamos ao
relato da observação, que já se faz tarde:
Eram já 22:00, hora local, quando tardiamente comecei a arrastar o equipamento para a rua. A noite estava pouco transparente, com sérias ameaças de nuvens altas em fase de concretização. Sem que eu esperasse, umas brisas ocasionais vieram a tornar-se curiosos aliados no alinhamento polar! Dado que escolhi um local mais abrigado do vento, a estrela polar ficou tapada por um pinheiro, e era graças ao vento que o pinheiro se vergava, mostrando-me ocasionalmente a estrela polar para que eu conseguisse alinhar a minha montagem. Aproveito para agradecer a estes dois por esta cortesia!
De montagem alinhada, e equilibrada, certifiquei-me que ainda me lembrava como manipular os círculos graduados, apontado o telescópio para estrelas conhecidas na zona: parti da Pherkad, Gama Umi, na ponta da Ursa Menor, e cheguei à 13 Theta Dra, a estrela mais distante da anterior na constelação do
Estádio do Campeão 2007. (Sim, eu sei, eu queria ter fotografado o cometa no final de Abril quando ele passou --
bem mais brilhante, diga-se -- pela constelação da
Águia )
Comecei, então perto das 23:30 -- já com as coordenadas do alvo a ditar a posição do telescópio -- a consultar os meus cálculos para saber qual o ângulo com que o cometa estaria cruzar os céus. Esse ângulo foi o mesmo que eu rodei o meu retículo iluminado de guia. O meu retículo tem graduações de 10 em 10 graus, e rodar o retículo em relação ao Norte é uma operação fácil de fazer: basta mover o telescópio em Declinação, e fazer com que a estrela atravesse na mesma passagem o centro do retículo e a marca do ângulo pretendido. 65,6º era o que eu pretendia, mas arredondei para 65!
Treinei por uns instantes a guiagem, para me aperceber que as direcções estariam correctas e lá me atirei à aventura nunca antes experimentada por mim de guiar uma estrela em movimento
Já sabia que a cada 110 segundos, a estrela deveria percorrer meia unidade do retículo (4,94 segundos-de-arco de céu) e foi só certificar-me disso, corrigindo nos manípulos e carregando nos botões correspondentes. Aquele facto tão assustador, de o cometa ser o mais veloz que conhecia, na realidade veio a tornar-se a maior vantagem no meu retículo, já que se fosse muito mais lento, mais difícil seria para mim estimar a sua posição no retículo.
Outros mundos..Fiquei entretido nisto até às 3:00 da manhã, altura em que o vento se tornou muito incomodativo. Abortei a 5ª fotografia em virtude do vento.
Ainda assim, optei por mais uns instantes ficar a observar Júpiter, brilhante, rodeado das suas dançarinas favoritas, Io, Callisto, Ganymedes, Europa.. Infelizmente o vento tornou-se forte, e correu comigo dali.
Enquanto eu tinha estado a admirar os satélites de Júpiter, quase que me parecia ver-lhe movimento.. E quase que aposto que as luas giravam em terno de Júpiter empurradas pelo mesmo vento que me empurrou dali para fora..
O meu tão gentil aliado no alinhamento da montagem ficou irritado com a minha presença, quem sabe talvez por eu não lhe ter tirado uma foto?
Mas consegui tirar algumas fotografias de entre 8 a 16 minutos de exposição.. Infelizmente, são fotografias de rolo, e agora tenho que acabar o rolo antes de mandar revelar. Por isso vou ter que ir impacientemente tirar umas fotografias de dia algures, para ver se completo esta descrição com uma fotografia do cometa.
Portanto, aqui fica a dúvida... Será que com o afastamento do C/2007 E2 (Lovejoy) e com o facto de eu não conseguir voltar para junto do meu equipamento (sem Lua cheia) até ao verão, esta terá sido a última oportunidade de o fotografar bem desta forma? será que a aproveitei bem? Ai fotografias, revelem-se depressa, sff !!