Autor Tópico: Montagem de um Observatório de Janela  (Lida 2760 vezes)

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Montagem de um Observatório de Janela
« em: Janeiro 15, 2007, 11:45:51 am »
Andei à procura de um bom sítio para colocar este tópico (que aviso já que vai ser longo) mas optei por colocá-lo aqui, pois em suma é uma transmissão de experiência..
Um título mais apropriado, se calhar, seria: "As aventuras e desventuras de montar de um observatório de janela" (para fins fotográficos) :)

Vai começar já a seguir, mas queria aproveitar só para dizer que isto é o começo de um pequeno artigo, que estou a pensar fazer evoluir com ilustrações e mais outras informações, bem como links para outras coisas que escrevi ou vou escrever, e que hei-de colocar online, em página própria..
Trata-se de uma ideia que tive ontem, de escrever um post, só que com o entusiasmo, comecei a escrever umas 3 páginas A4..  :shock:  Pois, eu avisei que ia ser comprido  :oops: ..

Mas acima de tudo, divirtam-se com os problemas por que fui passando ;)
« Última modificação: Janeiro 15, 2007, 01:59:55 pm por Fil »
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A aventura
« Responder #1 em: Janeiro 15, 2007, 11:46:37 am »
As Aventuras e Desventuras da Montar de um Observatório de Janela

Hoje apeteceu-me fazer uma espécie de relato de observação, mas que não só não envolve propriamente nenhuma observação, como também não diz respeito a uma só.. :lol: É uma compilação de 4 tardes e/ou noites de experiência na improvisação de um “observatório temporário de janela”.
Já há uns tempos eu tinha aproveitado a vista da janela de minha casa em Lisboa sobre o horizonte Oeste, para montar um pequeno observatório de janela. Trata-se de um céu urbano magnífico, coberto por uma camada alaranjada semi-opaca em tons de vapor de mercúrio. Tipicamente não se vêm a olho nu estrelas mais ténues que magnitude 3.
Em céus como estes, a minha experiência em constante actualização diz-me que quero evitar a todo o custo fotografar o que quer que seja abaixo dos 45 graus de altitude, e nunca fazer exposições mais longas que 10 minutos – se eu quiser que a foto saia alguma coisa de jeito..
Ainda assim, resolvi nestes últimos 4 dias, voltar a montar um observatório nesta janela, pois queria fazer mais uns testes para os quais a cor das fotos, era irrelevante. Já os descrevo mais à frente..
Ora, como é óbvio, tendo em conta as características do céu, o tipo de observatório de janela, sem acesso ao Zénite, e com luz parasita proveniente de 12 candeeiros de rua omnidireccionais, não é de todo o mais indicado... :shock: ..Mas, é o que há!.. :roll:
Tentei, portanto, evitando que o telescópio saísse indiscretamente para fora da janela, aproximar a montagem equatorial o mais possível da janela, bem como que ela ficasse mais perto do chão. Contudo, não poderia ficar demasiado perto do chão para ainda permitir olhar para perto do horizonte para facilitar o alinhamento da montagem equatorial.
« Última modificação: Janeiro 15, 2007, 02:11:35 pm por Fil »
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A aventura
« Responder #1 em: Janeiro 15, 2007, 11:46:37 am »

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Primeiro dia
« Responder #2 em: Janeiro 15, 2007, 11:47:09 am »
Montar e Alinhar

No ano passado tinha usado a montagem equatorial devidamente em cima do tripé correspondente, só que o facto do tripé ser alto, e ter as pernas a ocupar muito espaço, limitava-me muito o campo de visão. Desta feita, resolvi aparafusar a montagem a uma tábua de madeira de 35x35 cm com quase 3 cm de espessura que coloquei em cima da cadeira mais alta, larga, e robusta que tinha cá em casa. (É sempre aconselhável prender a tábua de madeira à cadeira, e fazer isto só para telescópio “pequenos”, tendo sempre o cuidado em manter tudo bem equilibrado para que não tombe da cadeira. E mesmo assim, é preciso alguma dose criticável de insanidade mental para tentar façanhas destas!)...
Bom, mas com esta nova abordagem, consigo ter um ângulo de visão de aproximadamente 60 graus na horizontal, centrados em Oeste, e de até cerca de 47 graus acima do horizonte. Não é muito mau!.. Mas como as janelas que tenho são em alumínio, das de correr, faz com que no meio da janela eu tenha uma zona onde não vejo nada! Tirar as janelas para fora da calha é complicado e pesado, portanto ou uso a metade norte do campo de visão com ambas as janelas chegadas para a esquerda, ou uso a metade Sul com ambas as janelas para a direita. Dado que estou a 38 graus de Latitude, o percurso aparente, em diagonal, dos objectos celestes no céu gera alguns desafios interessantes no planeamento do que se vai fazer..

Aqui fica o que se vê da minha janela:


E para culminar este primeiro dia de montagem do observatório, havia um cometa com percurso agendado para o fim da tarde! Fotografar um cometa não é tremendamente complicado, e não exige uma montagem bem alinhada com o eixo da terra, ainda assim, eu quis passar pelo problema de como alinhar minimamente uma montagem equatorial, sem acesso a estrela polar, e pior que isso, durante o dia!?! (São destes problemas “impossíveis” que mais gozo dão a resolver :D )
Depois de o ter feito, até é fácil e simples de compreender! A ideia simplesmente consiste em apontar o telescópio às cegas para as coordenadas do objecto celeste, e no fim, ajustar a montagem de forma a que o telescópio fique a apontar para o dito objecto! Isto dará uma boa estimativa para um primeiro alinhamento da montagem sem grande precisão. É o que basta para encontrar e seguir cometas sem grande esforço, como era o objectivo.
Ora para isto, precisamos de:
:arrow: conseguir ver um objecto no céu,
:arrow: saber as coordenadas dele,
:arrow: conhecer um ponto fixo unívoco no nosso referencial, e
:arrow: saber as coordenadas desse ponto.
Traduzindo por miúdos, temos o Sol que se “vê” bem, e temos um ponto de referência fixo unívoco (numa dada altura) que é o zénite.
Basta conhecer a hora local sideral e latitude (ou seja as coordenadas do zénite – o nosso ponto unívoco fixo de referência) e as coordenadas do Sol.
Para fazer o alinhamento inicial, apontei a montagem mais ou menos para Norte, e coloquei o telescópio na vertical a olho (comparando a verticalidade do telescópio com arestas verticais de cantos de parede, moveis, janelas, e outras coisas dentro de casa). Usei, em seguida, software de planetário gratuito (Cartes Du Ciel) para saber as coordenadas do zénite, e introduzi-as nos círculos graduados da montagem. Em seguida, e apontei o telescópio para as coordenadas do Sol, que o programa de computador também de deu, e liguei a montagem para fazer seguimento dessa posição. Por fim, com o telescópio e buscadores tapados, e com o auxílio das sombras, fui ajustando a montagem de modo a que o telescópio ficasse o mais centrado possível na própria sombra (apontar para o Sol). Inicialmente ainda era cedo, e a luz do sol não entrava na janela de forma a gerar sombra no telescópio, portanto tive que me ir guiando pelo paralelismo do telescópio com as sombras disponíveis.
Este tem que ser um processo iterativo, pois cada alteração que se faz à orientação da montagem está a alterar também as coordenadas do Zénite, do ponto de vista da montagem.
Ainda assim, pode-se argumentar que o círculo graduado da declinação mantem-se sempre no mesmo sítio e está sempre “correcto” naquela posição. Isto aliado ao facto de o Sol não se mexer (quase nada durante uma tarde) em Declinação, e que deve estar perto do horizonte, permite ajustar a montagem de uma forma simples: As coordenadas do Zénite determinam o ajusta da altitude da montagem, e o Sol determina o ajuste em Azimute.
Quando o Sol conseguiu ver o meu telescópio todo, fiz então os ajustes finais, e a montagem ficou decentemente alinhada. Foi só esperar pelo pôr do Sol para destapar o telescópio e começar a procurar o cometa.
« Última modificação: Janeiro 16, 2007, 02:52:56 pm por Fil »
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segundo dia
« Responder #3 em: Janeiro 15, 2007, 11:47:49 am »
Melhorar o Alinhamento

Melhorar o alinhamento da montagem, sem acesso à estrela polar, pode ser feito de várias formas. A mais louvada costuma ser usando o alinhamento por arrastamento, onde se observa o movimento de uma estrela em relação ao telescópio. Trata-se de uma forma bastante precisa, mas é mais prática de ser usada quando se tem acesso ao meridiano local, coisa que num observatório de janela é incomum.
Acabei por recorrer aos círculos graduados novamente. Escolhi pares de estrelas que estivessem praticamente no mesmo meridiano em cada par (que viessem a calhar dentro do mesmo campo de uma dada ocular movendo o telescópio só em declinação – de preferência uma ocular com um retículo que sirva de “bitola astrométrica”). Se partir do princípio que a montagem está alinhada, ao mover o telescópio só em Declinação, irei percorrer o céu segundo o meridiano, ou seja consigo ir de uma estrela para a outra, sem problemas. Caso a montagem esteja desalinhada do pólo segundo a perpendicular aos dois eixos da montagem, então o telescópio ou vai parar “mais à frente” (a Oeste) ou “mais atrás” (a Este) da outra estrela. O ajuste a ser feito à montagem deve ser um que tente rodar o percurso que o telescópio fez, para cima do percurso que deveria ter feito (união por uma linha das duas estrelas)

Esta figura mostra melhor o desejado:

Nela vêem-se 2 estrelas, mais ou menos no mesmo meridiano, no campo de uma dada ocular (plossl de 18mm num telescópio com 820mm de focal), marcado a vermelho. As coordenadas delas são:
:arrow: a da esquerda (HR 197, mag 5.24) AR: 0h 44m 44s  DEC: -22º 00' 22"
:arrow: a da direita (Beta Cetus, mag 2.04) AR: 0h 43m 35s  DEC: -17º 59' 12"

Ou seja diferem em Ascenção Recta unicamente de 1:09 minutos siderais, o que dá (x15) 17,25 minutos de arco em AR. Portanto, se a montagem estivesse bem alinhada, ao irmos da estrela da esquerda de magnitude 5,24 para a estrela da direita de magnitude 2, a estrela da direita era suposto ficar na ocular 17 minutos de arco mais a Oeste do sítio onde a primeira estrela estava.
Como a montagem deve está desalinhada, vamos parar a outro sítio (marcado a azul). Só é preciso identificar se esse sítio está a Este ou a Oeste dos 17 minutos de arco a Oeste. Para isto claro que dá jeito ter um retículo iluminado para ter a referência de onde a outras estrela estava, mas não é essencial..
Ora se ao movermos o telescópio ele ficou a Oeste da estrela (marcado a azul) então temos que rodar a montagem no sentido que rodaria o percurso feito para cima do meridiano que devia ter sido o caminho seguido caso estivesse bem alinhada! (sentido do ajuste marcado a laranja)
Este ajuste será sempre uma rotação em torno de um eixo perpendicular ao eixo de AR, e ao eixo de DEC. Ou seja, se o telescópio estiver a apontar para Oeste junto ao chão, será um ajuste de elevação da montagem. Se o telescópio estiver a apontar para o meridiano local (vertical ao chão) o ajuste será uma rotação da montagem em azimute para a direita (a esquerda de quem está olhar para o céu). Caso o telescópio aponte para Este junto ao horizonte, corresponderá a baixar a altitude da montagem. Caso não esteja a apontar para o meridiano local ou junto do horizonte, poderá ou não ser uma combinação de movimentos. Por isso é sempre bom começar por olhar para perto do horizonte ou perto do meridiano local antes de olhar para algures no meio!
(Caso isto não seja possível - mais complicado - o que há a fazer é ver em dois locais do céu, onde é que a diferença das posições é maior, e escolher o ajuste que mais perto está da maior diferença..)
Em qualquer dos casos convém fazer várias iterações neste processo. Ajustar perto do horizonte até ficar quase bom, depois passar para o mais alto que se conseguir, ajustar e voltar de novo ao horizonte.. Por aí em diante até estar tudo 5 estrelas..
(Claro que isto dá trabalho, e acaba por ser mais prático, depois de se ter uma boa estimativa usando este método, passar para o alinhamento por arrastamento (drift aligning) mais preciso).
« Última modificação: Janeiro 15, 2007, 02:12:03 pm por Fil »
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terceiro dia
« Responder #4 em: Janeiro 15, 2007, 11:48:08 am »
Vamos às fotos

A cadeira utilizada para suportar a montagem, tem a base em verga. Como em cima dela ficava a base de madeira grossa, achei que seria sólido o suficiente. Contudo, tendo a montagem bem alinhada, e acrescentado o telescópio guia e contrapeso extra, o centro de gravidade alterou-se ligeiramente, e a flexibilidade da verga fez com que tivesse que voltar a ajustar a montagem em altitude. :P Este pormenor lembra a utilidade de alinhar a montagem equatorial com a carga que vai ser utilizada e não outra :oops:. Na ausência de vento num observatório de janela, poder-se ia pensar que a inflexibilidade do suporte não fosse tão necessária, mas na realidade não convém usar suportes muito flexíveis se se pensar em fazer alterações ao peso do telescópio. Claro que o ideal era não usar uma cadeira de verga, mas não há disso em casa com o tamanho conveniente :). (lembro que a ideia era aproximar a montagem da janela, daí não usar o tripé próprio!
Portanto, um outro aspecto a ter em conta é ter sempre a montagem bem equilibrada, por forma a que não se altere o centro de gravidade consoante a posição do telescópio:

a verde está assinalado o centro da base da montagem, e laranja a posição aproximada do centro de massa do telescópio e contrapesos, que muda de sítio, caso a montagem não esteja bem "balanceada". Se a base for flexível, o alinhamento vai andar a "dançar" em altitude :P.

Um aspecto final relacionado com o uso de uma cadeira como suporte para uma montagem equatorial é a existência de encosto para as costas na cadeira! É algo prático e confortável quando quem se senta é uma pessoa, mas para o caso de um telescópio que tem que girar ali em cima limita muito os sítios para onde se pode apontar. Contudo, num “observatório” destes há muitos sítios para onde não se vai apontar o telescópio. Como tal às vezes é possível encontrar uma posição para colocar a cadeira que não impeça os movimentos do telescópio, dependendo da orientação da janela e da altura das costas da cadeira. No meu caso, com a Janela virada a Oeste, é-me possível utilizar a cadeira com as costas para Sul, para o lado oposto aos contrapesos. Como o telescópio não irá rodar mais para Norte por causa da janela, o focador também não irá bater nas costas da cadeira.
« Última modificação: Janeiro 15, 2007, 02:37:58 pm por Fil »
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observatório montado e testado!
« Responder #5 em: Janeiro 15, 2007, 11:48:27 am »
Montado e Testado

Com este setup finalmente montado, lá me dediquei a tirar umas tantas fotografias. Como referi atrás, não era objectivo as fotografias ficarem bonitas. Tal como fiz para a máquina fotográfica de médio formato - de saber qual a posição do foco no focador - quis fazer para a máquina de filme de 35mm (pois sai mais barata cada foto em rolo de 35mm do que em rolo 120). Para a máquina de 35mm tenho mais combinações de material que posso usar: nomeadamente com ou sem redutor, e com ou sem filtro de poluição luminosa. Só isto deu direito a 4 fotografias :). Depois andei a tirar mais umas fotos a objectos entre os 10 e os 45 graus de declinação, desde M33 no Triângulo às 21:30, até a NGC 2237 no unicórnio às 2 da manhã. Pela primeira vez na vida tirei 13 fotografias em filme em duas noites consecutivas! A este ritmo devo conseguir mandar revelar o rolo ainda durante o mês de Janeiro :D

Quando houver fotos, publico ;)
« Última modificação: Janeiro 15, 2007, 02:12:47 pm por Fil »
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Conclusão
« Responder #6 em: Janeiro 15, 2007, 11:48:44 am »
Conclusão

E pronto, este tópico foi uma breve incursão no mundo da improvisação de observatórios de janela, com recursos escassos, dentro dos limites de segurança do equipamento, e sem acesso a estrelas polares. Em dois dias fiz a base de madeira onde aparafusei a montagem, coloquei-a em cima de uma cadeira com encosto para as costas, com papeis a fazer altura debaixo de uma das pernas para ficarem as 4 bem assentes no chão, e alinhei decentemente a montagem. Nos dois dias seguintes, tirei partido do trabalho feito nos dias anteriores, e usei a montagem para o que ela deve ser usada ;). Como ainda não desmontei o observatório, ainda posso voltar a fotografar o céu quando o tempo mostrar sinais de melhoria. São as vantagens de se morar num observatório astronómico! :lol:
« Última modificação: Janeiro 01, 1970, 01:00:00 am por Fil »
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Conclusão
« Responder #6 em: Janeiro 15, 2007, 11:48:44 am »